terça-feira, 29 de abril de 2008

Mudanças de Vida - Parte I - Renato Seabra

Numa rua chamada Trinta e três, na casa 52, mora um casal com alguns problemas. Não possuem filhos. Não possuem família. Não possuem amigos. Enfim, não possuem ninguém.

Eles moram nesta casa, que é considerada uma das melhores da região. Possui um cômodo enorme que coube a cozinha, o quarto e o banheiro. Tudo é separado por velhas cortinas, sem o mínimo de privacidade. Poucos nessa rua tiveram esse privilégio. Motivo de inveja para a maioria. E isso, também, motivo de medo para continuarem por lá.

Como é de se pensar eles passam muitas necessidades. O marido não trabalha e a mulher teve de se prostituir para conseguir dinheiro. Não que foi difícil para ela. Bonita, e elegante quando precisa, conquistou homens de quase toda a cidade, de muitas classes sociais.

Ela se chama Kelly. Ele se chama Elias.

Este casal não conhece paz há muito tempo, pois Elias tem se envolvido com traficantes e bandidos de todos os lados tentando encontrar uma saída para seus problemas financeiros. Enquanto isso, Kelly ia se envolvendo com homens da mesma linha, e cada vez de gangues mais pesadas. O que preocupava Elias, por ter dívidas altas com todos eles e nem com a vida conseguiria pagar. Kelly e Elias não misturam seus negócios, o que deixa Elias irritado, por mais que ele saiba que ela está certa.

Ele não aceita o comportamento dela e sempre que ela volta do trabalho, não importa com qual quantia de dinheiro, ele a insulta e algumas vezes a agride fisicamente. A intensidade das agressões vem crescendo e o ódio de Kelly acompanha como numa linha paralela. Sempre que isso acontece, ele fuma, bebe muito e ela se droga para ignorar as dores, físicas e psicológicas.

Para piorar para Elias, Kelly começa a ser obrigada a levar clientes para sua própria casa. Eles alegavam que suas mulheres desconfiavam de tudo e poderiam haver testemunhas se fossem a algum lugar específico. Claro que gastos com motéis, que eles não tinham mais desde aquele dia não iam para Kelly, ela não era tão valorizada assim. A casa deles então começou a ser muito vigiada, e as agressões de Elias também. Ele já não podia agredi-la tanto, pois alguns clientes estavam de olho nisso e poderiam facilmente matá-lo.

Elias decide dar uma volta pela cidade numa manhã. Conversa com alguns de seus colegas de gangue sobre o que planejam fazer para conseguir dinheiro.

Todos estão perdidos. Não sabem o que fazer. Um deles, com o diferencial de ser esperto, chamado Enrique, conversa a sós com Elias e diz estar fazendo um plano para assaltar o banco central da cidade, apenas precisa juntar com mais bandidos de outras gangues.

- É impossível, Enrique!
- Não é!
- Claro que é! Nossa gangue só tem diminuído! Você sabe disso!
- Eu sei, eu sei! Mas pense! Seria um motivo em comum! Para qualquer um interessa roubar aquela droga de banco! Por que você acha que nunca deu certo? Todos vão lá sedentos por dinheiro e em pouco número. Todos morreram ou foram presos!
- Mas é claro! A segurança ali é máxima!
- Sim, mas imagina todas as gangues juntas! Todas juntas!
- É muito arriscado. Na hora de repartir o dinheiro aconteceria uma guerra!
- Não. Não aconteceria! Poderíamos colocar o Gabriel e Igor nessa jogada.
- Está louco? Eu devo dinheiro para esse cara! Sem chance!
- Pois é, meu velho! Você, ali no meio, seria uma garantia e um motivo para ele participar! Pense bem!
- Não sei não... Vou pensar sobre isso e te falo depois.

Não que Elias fosse a mais alta voz ali da gangue. Na verdade, não fez muita diferença sua decisão após três semanas. Enrique conversava a sós com todos sempre que podia.

Elias passa toda aquela tarde com seus colegas discutindo muitas coisas, fumando e bebendo.

Enquanto isso, Kelly se encontrava em sua casa com um de seus principais clientes chamado Gabriel. Elias deve muito dinheiro a ele. Sorte não estar nem por perto naquela hora.

Os dois se divertem a tarde toda. Diferente de muitos clientes, Gabriel passa para Kelly muita segurança e cuidado. Não a maltrata nunca. Adora dar presentes pra ela. Talvez por ter dinheiro de sobra, graças ao tráfico de drogas e outros serviços oferecidos por ele como espionagem, assaltos, homicídios, liberação de prisioneiros e tantos outros mais.

Gabriel se despede dela deixando o pagamento do dia e drogas.

Ele faz uma ligação de seu celular enquanto dirige seu carro.

- Igor? Tudo certo para você resolver aquilo?
- Claro! Não se preocupe. Está tudo no caminho.
- Que bom... Ligue-me assim que possível então.
- Sem problemas.

Elias volta para sua casa. Ao abrir a porta, a primeira coisa que ele enxerga é a televisão no meio da sala, ligada e num canal fora do ar e mudo. Ao dar alguns passos a mais ele vê roupas da Kelly espalhadas pelo chão e logo se depara com ela ali estirada sem roupa, com seu corpo totalmente exposto. Elias não entende o que é aquilo e entra lentamente.

- Mas o que houve aqui? - Elias pergunta.

A Carta Perdida - Carta ao Leitor - Paulo Costa


Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a todos que aguardaram ansiosamente pelo final do primeiro conto do nosso no blog. Obrigado pessoal, esse apoio de vocês é o que mantem a nossa vontade de seguir em frente!

O projeto "Contos de Sangue", surgiu a algum tempo atrás para ser escrito e lançado no formato de livro. Devido a alguns contra-tempos, as histórias não foram completamente desenvolvidas e guardamos o projeto na "gaveta". Muitas coisas mudaram desde então, inclusive a visão sobre os membros do estúdio sobre esses projetos "engavetados". Em um belo dia, retiramos o "Contos de Sangue" da gaveta e decidimos utilizar o argumento para a criação de um novo Blog! E foi exatamente isso que fizemos, desenvolvendo histórias sempre complementadas com ilustrações de cada conto em particular e mantendo o Blog sempre atualizado.

Este conto recém terminado, "A Carta Perdida", foi desenvolvido especialmente para a abertura do Blog, colocando o leitor logo de cara em contato com o tipo de material que exibiremos.

Decidimos pelo Blog como maneira de divulgação, para termos a liberdade de publicação e contato direto com os leitores, seja por meio de comentários, e-mail ou qualquer outro meio de comunicação.

Eu como autor do conto, gostaria de pedir desculpas para caso haja algum erro gramatical ou de concordância no mesmo, porque apesar das inúmeras correções feitas por diversas pessoas, devido ao grande número de projetos que estamos desenvolvendo, alguns erros podem ter sido ignorados! Sintam-se à vontade para criticar ou elogiar.

Muito obrigado queridos leitores e até o próximo Conto de Sangue!

-- Paulo Costa

A Carta Perdida - Parte V - Paulo Costa

Estava sentado ao piano, praticando uma nova melodia. Não queria desapontar ao seu pai, que sempre o elogiava muito quando tocava uma canção completa, sem errar. Gostava muito de fazer com que o seu velho pai sentisse orgulho de seu único filho. A tarde estava quente, típica de verão. Todas as janelas estavam abertas, deixando entrar uma brisa suave que de vez em quando percorria a sala inteira. Ouviu a porta abrir e se fechar atrás de si e então passos. Passos estes que eram inconfundíveis. Eram os passos das luxuosas e lustrosas botas de seu pai. Continuou tocando, sem parar. Conseguiu distinguir, através das sombras que se formavam suavemente na parede à sua frente, que seu pai havia parado bem ali, atrás dele, sempre o observando de cima. Não podia parar, os seus dedos pareciam dançar sobre as teclas. Sentiu os dedos de seu pai entrelaçarem os seus cabelos úmidos, suavemente. Sentia-se um pouco desconfortável agora. Tais gestos não eram muito comuns, vindos de uma pessoa fria e seca como seu pai. Continuou tocando. Agora os dedos de seu pai não mais entrelaçavam os seus fios de cabelo, mas sim, uma das mãos massageava levemente o seu pescoço enquanto a outra descia, por dentro de sua camisa, em direção ao seu peito. A canção parecia ter tomado conta de seu corpo, quase como uma possessão e, ironicamente, possessão era uma palavra desconhecida para aquele pequeno garoto até o fim daquela tarde.

- Monstro! - gritou, chutando a pequena mesa de centro, fazendo voar cinzas e cartas para todos os cantos.

O velho homem, imóvel, envolvido pelas sombras, sentado em sua enorme poltrona, parecia estar rindo, algo como um rosnado ou o último sopro de ar que os seus pulmões, que não pareciam nada bem, poderiam reproduzir.

- Então, você finalmente lembrou... - disse o velho homem, sem poder continuar devido a uma crise de tosse repentina.
- Como pôde fazer aquilo? - disse, levando a sua mão direita para dentro de seu casaco e puxando a sua arma que continuava engatilhada desde o incidente mais cedo, com o garoto. - Seu velho nojento! - exclamou quase como um grito, apontando a sua arma diretamente para o que imaginava ser o peito do velho homem.
- Eu o amei... - disse o velho homem, tossindo mais uma vez.

Aquelas simples palavras atingiram o seu peito como facas, perfurando e penetrando, cada vez mais fundo, como se sentissem prazer, centímetro por centímetro. Lembrou de todos os momentos que passara ao lado daquela pessoa deplorável.

A dor era tanta que não podia suportar. Com a precisão que adquirira nos últimos nove anos, trabalhando como assassino profissional, desferiu um, dois, três tiros, exatamente no meio do peito do seu velho pai. A poltrona, que antes parecia uma barreira de sombras impenetráveis, tombara, fazendo com que a luz iluminasse muito bem o rosto daquela pessoa, que já não lhe trazia semelhança alguma com o que um dia fora o seu pai.

Aproximou-se. Queria certificar-se de que havia feito o que pretendera corretamente. Podia sentir o cheiro de sangue, saindo pelo peito do velho homem deitado aos seus pés e inundando o chão imundo daquele apartamento.
Apontou sua arma com toda a segurança para a cabeça de seu pai. Não queria deixar dúvidas. Atirou.

Virou e começou a andar em direção a porta que havia dado passagem a todo aquele inferno vivido nos últimos minutos. Guardou a arma em segurança novamente dentro de seu casaco, em um gesto automático. Somente ao guardar sua arma, reparou que, amassada em sua mão esquerda, estava a velha carta. Abriu a mão e notou que o lacre vermelho, de cera, havia sido rompido. Colocou sua mão direita, que ainda tremia devido aos tiros, dentro do envelope, e tirou o único pedaço de papel que havia ali. A letra era de sua falecida mãe. Começou a ler.

Querido e amado filho.
Nunca tive a intenção de trazer tal assunto de volta para nossas vidas, mas acredito que como último desejo, possa perdoar o teu pai, que se encontra em situações piores que as da sua velha mãe.
Espero que o tempo tenha curado as feridas causadas pelos atos de um pai doentio.
Perdoe-o.
Com amor, sua mãe.


Dobrou a carta delicadamente, recolocando-a de volta no envelope, virou para trás e arremessou-a em direção ao peito ensangüentado do velho homem.

- Eu te perdôo... - disse virando-se novamente para a porta e agarrando fortemente a maçaneta. - ...papai.

Fechou os olhos e pôde sentir, pela primeira vez em muitos anos, lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Lágrimas.

FIM.


domingo, 27 de abril de 2008

A Carta Perdida - Parte IV - Paulo Costa

O apartamento era exatamente o que ele esperava que fosse, o reflexo da parte exterior, completamente sujo e antigo. Tudo o que conseguia ver era um corredor estreito e escuro, com uma única porta à sua direita que com certeza o levaria até a cozinha. Checou a porta da suposta cozinha, que por sua vez estava trancada. Sentia-se como se estivesse correndo atrás do queijo, dentro de uma ratoeira, mas o medo era um sentimento que há muito havia aprendido como lidar e transformá-lo em força. Continuou mais confiante do que nunca de que encontraria alguma resposta sobre aquela carta.

Ao chegar à única sala, reparou rapidamente que não haviam muitos móveis. Apenas um sofá fedorento, uma pequena mesa de centro com algumas cartas de baralho amassadas, um cinzeiro que abrigava restos de cigarros de várias marcas, amassados, e uma espécie de poltrona giratória, enorme, virada em direção à enorme janela lateral, que não vira do lado de fora do prédio, sem cortinas, deixando entrar a pouca luz que vinha dos postes da rua.

Parou por um momento perto da mesa de centro, tentando procurar alguma informação, mas não havia nenhuma informação útil naquele lugar. Não acreditava que tivera que passar por tudo o que passara por absolutamente nada.

Deveria ele deixar a carta ali na mesa, e sair?

Talvez, mas nunca saberia se o destinatário era realmente a pessoa que encontrou a carta. Não poderia fazer aquilo, estava envolvido com o sentimento de cumprir esta tarefa.

Perdido em seus próprios pensamentos, não ouviu quando a velha e enorme poltrona, localizada perto da janela, começou a se mover, virando-se lentamente, até parar de frente para si.

- Eu sabia que viria... - disse um velho homem, com uma voz muito fraca e cansada.

Não conseguia ver o rosto deste homem, a luz que invadia a sala, transformava o encosto daquela poltrona um escudo de sombras. Mas sabia muito bem de quem era aquela voz... Não a ouvia há muito tempo.

Lembranças vieram em sua mente novamente. Podia ver claramente este mesmo homem sentado com ele no seu velho piano, batendo-lhe nos dedos com um pedaço de madeira quando errava e em seguida, acariciando-os, pedindo desculpas. Podia ver o homem lhe ensinando a andar em sua bicicleta pela primeira vez sem as rodas de apoio em uma rua cheia de árvores em ambos os lados, cheirando a orvalho fresco da manhã. Podia ver o mesmo homem envelhecendo em sua memória, levando-o até o "Beco da Perdição" e dando-lhe quantias exorbitantes de dinheiro para que pagasse algumas prostitutas, para que afirmasse a sua masculinidade na frente de seus amigos.

Tudo estava claro agora em sua mente. As peças começavam a se encaixar e com elas, a sua última lembrança daquela cidade pútrida. A única coisa que não conseguira lembrar, durante todos esses anos longe dali. A mais nojenta das lembranças que um ser humano poderia ter.


A Carta Perdida - Parte III - Paulo Costa

Após algumas quadras, a escuridão já tomava conta das ruas, iluminadas apenas por antigas lâmpadas que balançavam suavemente, produzindo em uníssono, uma orquestra regida pelo vento onde os instrumentistas nada mais eram do que correntes enferrujadas.

Estava perto, poderia afirmar, sentia uma estranha energia o puxando até ali, já que nunca estivera naquela parte da cidade antes e fora guiado por instinto, sem nem ao menos um mapa para consulta. Avistou um antigo prédio baixo, de quatro andares e janelas simetricamente quadradas. Aproximou-se de sua fachada em tons de marrom, corroídos pelo tempo e checou os números escritos no envelope com os que estavam cravados na escura placa de metal, logo acima da porta principal. Os números estavam corretos, a carta deveria ser entregue neste prédio. Subiu os únicos três degraus até a porta principal e a abriu, sem nenhuma resistência.

As divisões do prédio eram bem simples, uma escada estreita e escura, alinhada com a porta de entrada e quatro apartamentos por andar, numerados objetivamente. Estava à procura do numero nove, o que tudo indicava que precisaria subir até o terceiro andar. Seguiu rumo à escada. O lugar parecia estar prestes a cair, o papel de parede, ou pelo menos o que sobrara dele, não aparentava ter menos de quarenta anos. Em meio à escuridão das escadas, procurou tomar o máximo de cuidado para não fazer nenhum barulho, pois haviam garrafas vazias e vários objetos jogados nos degraus.

Finalmente chegara ao terceiro piso, em busca do número nove. As luzes deste andar pareciam não funcionar a muito tempo, apenas uma estava acessa corretamente e outras duas piscavam incessantemente, como se estivessem sido forçadas a trabalhar.

Ali estava, o número nove. A única porta sem número, apenas uma marca do lugar onde um dia abrigara um reluzente numero nove forjado em ferro. Aproximou-se da porta, respirou fundo e bateu levemente, três vezes. A ansiedade começou a tomar conta do seu corpo, fazendo com que apertasse a carta cada vez mais forte. Não obteve resposta alguma, resolveu checar a maçaneta. Girou-a devagar, não queria fazer barulho e ser confundido com um ladrão qualquer, as coisas poderiam acabar mal. A porta estava destrancada. Pensou por um segundo, se seria certo abrir a porta da casa de alguém sem permissão, então sua mão foi tomada pelo impulso e a abriu, bem lentamente.

sábado, 26 de abril de 2008

A Carta Perdida - Parte II - Paulo Costa

Andando pelas ruas de sua velha cidade, sem saber muito bem aonde aquele endereço o levaria, começou a sentir-se fraco e cada vez mais atormentado por suas lembranças.

Ao fechar a porta de sua velha casa sem olhar para trás, apenas havia aberto muitas outras, não reais, mas sim dentro de sua própria mente, do seu próprio coração, aquelas lembranças e sentimentos que nunca se vão. Todas aquelas ruas pareciam ter sido esquecidas pelo tempo e pela evolução, suas calçadas ainda conservadas, as suas árvores intactas, as cores, os cheiros, tudo exatamente como se lembrava.

Não conseguia acreditar como uma simples visita e uma simples carta pudessem transtornar tanto uma pessoa extremamente calculista e decidida como ele.

Continuou sua jornada sem se preocupar por onde estava andando, dedicando toda sua atenção aos números escritos pela sua falecida mãe naquele envelope. Passou por vários moradores locais que o olhavam com curiosidade, mas nem mesmo reparara. Esbarrou em algumas latas de lixo enormes ao entrar em um beco escuro, antes conhecido como "Beco da Perdição", lar de prostitutas, vagabundos e usuários de drogas. Já havia estado ali, aos treze anos, conseguia se lembrar perfeitamente daquelas paredes de tijolos cheias de lodo, todo o lugar fedia. Estivera ali para se afirmar como homem e pagar com notas altas, quantas prostitutas quisera. Tudo veio à frente dos seus olhos, como um filme antigo sendo exibido bem ali, no meio daquele beco fétido. Levou uma das mãos ao rosto, na tentativa de tampar as narinas, enquanto a outra mão segurava firmemente a carta. Sentiu seus joelhos bambearem e sem ter onde se apoiar caiu, no chão negro e molhado, como uma pedra. Ouviu passos, barulhos frenéticos e incessantes. Colocou a mão dentro de seu casaco e segurou o seu revolver já engatilhado. Não poderia estar ali sem o seu melhor amigo por anos. Então, mais uma vez o silêncio fora quebrado por passos, curtos e rápidos, vindos de algum lugar por detrás de todo aquele lixo acumulado. O dia estava chegando ao fim, a luz do pôr do sol já estava se extinguindo, dificultando ainda mais a sua visão. Arrastou-se para um dos lados da enorme pilha e apontou o seu revólver, pronto para atirar sem nem ao menos hesitar. Seus olhos e reflexos eram bem treinados. Apesar de não estar nada bem em decorrência a suas lembranças, acabara de evitar a morte sem sentido de um garoto, que não aparentava ter mais de nove anos, faminto, procurando comida em uma das latas que fora colocada ali a pouco na porta dos fundos de um restaurante nojento. O garoto amedrontado, não teve outra reação senão sair correndo dali imediatamente antes que aquele revolver fosse realmente disparado. Guardou sua arma, sentindo-se aliviado por não ter atirado. Sentiu-se revigorado. Levantou-se, apoiando a palma de suas mãos nos próprios joelhos, tomou fôlego, sentindo o fedor invadir suas narinas mais uma vez e voltou a andar, seguindo até o final do beco, checando o endereço escrito no envelope, como se pudesse tê-lo esquecido.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A Carta Perdida - Parte I - Paulo Costa

Uma carta. Nada mais do que uma simples carta, velha e amarelada. Não que esperasse algo de sua miserável mãe, mas se espantou ao receber uma carta, endereçada e selada, como herança. Não havia nem sequer o nome do destinatário, se era homem ou mulher e apesar do desgaste sofrido pela tinta azulada, dava-se para ler perfeitamente o endereço, conhecia aquela grafia floreada muito bem, recebera milhares de cartas da mãe desde que a deixara há alguns anos. Entretanto, nunca abrira alguma delas, preferira deixar para trás o seu passado e começar uma vida nova, da maneira como havia escolhido. Solitário.

Não sentia curiosidade alguma sobre o conteúdo da carta em si, mas sim, sobre o destinatário. Não conseguia entender, não ali naquele momento, porque sua mãe escreveria uma carta, a endereçaria e logo em seguida, a guardaria, para que fosse encontrada apenas algum tempo depois de sua morte. Talvez, como último desejo, quisera sua falecida mãe, que seu único filho, fizesse o favor de finalmente entregar esta carta para o não citado, destinatário.

Inconscientemente, ao pressionar o seu dedo indicador na tentativa de quebrar o lacre vermelho feito com cera, como nos velhos tempos, uma violenta dor de cabeça, súbita como chuvas de verão, fez com que deixasse a carta cair, para que tentasse se apoiar em algum dos poucos móveis que restaram na velha casa de sua mãe. Levantou a cabeça, tentando entender o que havia acontecido, sem perceber que o móvel onde estava apoiado, antes coberto por um pano empoeirado, estava agora à mostra, um velho piano, já não tão charmoso como nos velhos tempos, mas ainda elegante. Sentiu seu estômago revirar ao se lembrar das tardes em que passara naquele velho piano. Ofegante, afastou-se e procurou apoio em uma das paredes laterais de um longo corredor. Lembranças de sua infância há muito esquecidas, voltaram como um choque, aterrorizante e impiedoso. Sentia que precisava sair daquela casa imediatamente. Sabia que retornar àquele lugar só lhe traria mais dor e sofrimento, e isso, já não fazia mais parte dos sentimentos que estava acostumado a sentir vivendo longe dali. Seguiu em direção à porta, mas não antes de pegar a velha carta e guardá-la com segurança em um dos bolsos do seu casaco. Iria até aquele endereço, estava mais decidido do que jamais estivera. Encontraria o destinatário a todo custo e se livraria de uma vez deste doloroso encargo. Não poderia simplesmente deixar a carta ali, no chão. Algo estava fazendo com que ele se sentisse obrigado a cumprir tal tarefa. Deu seus últimos passos no estreito corredor, sem olhar para trás, abriu a porta e saiu, deixando para trás somente a poeira do que um dia fora o seu lar.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

O Início!


EM BREVE!

Sejam bem-vindos ao blog do Contos de Sangue, mais um projeto do Estúdio Tela Branca.

A idéia dos Contos de Sangue nasceu da iniciativa de criação de contos, onde a violência, os limites humanos e sobre-humanos são testados e desafiados.

Os contos buscam levar os leitores além das palavras, transportando-os para os mais sombrios becos e situações onde o perdão e a misericórdia são meras lendas.

Esperamos fazer com que vocês, leitores, sintam-se cada vez mais instigados a retornar ao nosso blog para o próximo capítulo, para o próximo conto e compartilhar suas opiniões, dicas e sugestões.

E você pensa que acabou? Se enganou!
Além dos contos, o blog contará sempre com ilustrações exclusivas relacionadas aos contos, fazendo com que as palavras sejam traduzidas para arte visual.

Agradecemos o apoio de todas as pessoas envolvidas no projeto e desde já, muito obrigado, caros leitores.

-- Equipe do Estúdio Tela Branca