sábado, 26 de abril de 2008

A Carta Perdida - Parte II - Paulo Costa

Andando pelas ruas de sua velha cidade, sem saber muito bem aonde aquele endereço o levaria, começou a sentir-se fraco e cada vez mais atormentado por suas lembranças.

Ao fechar a porta de sua velha casa sem olhar para trás, apenas havia aberto muitas outras, não reais, mas sim dentro de sua própria mente, do seu próprio coração, aquelas lembranças e sentimentos que nunca se vão. Todas aquelas ruas pareciam ter sido esquecidas pelo tempo e pela evolução, suas calçadas ainda conservadas, as suas árvores intactas, as cores, os cheiros, tudo exatamente como se lembrava.

Não conseguia acreditar como uma simples visita e uma simples carta pudessem transtornar tanto uma pessoa extremamente calculista e decidida como ele.

Continuou sua jornada sem se preocupar por onde estava andando, dedicando toda sua atenção aos números escritos pela sua falecida mãe naquele envelope. Passou por vários moradores locais que o olhavam com curiosidade, mas nem mesmo reparara. Esbarrou em algumas latas de lixo enormes ao entrar em um beco escuro, antes conhecido como "Beco da Perdição", lar de prostitutas, vagabundos e usuários de drogas. Já havia estado ali, aos treze anos, conseguia se lembrar perfeitamente daquelas paredes de tijolos cheias de lodo, todo o lugar fedia. Estivera ali para se afirmar como homem e pagar com notas altas, quantas prostitutas quisera. Tudo veio à frente dos seus olhos, como um filme antigo sendo exibido bem ali, no meio daquele beco fétido. Levou uma das mãos ao rosto, na tentativa de tampar as narinas, enquanto a outra mão segurava firmemente a carta. Sentiu seus joelhos bambearem e sem ter onde se apoiar caiu, no chão negro e molhado, como uma pedra. Ouviu passos, barulhos frenéticos e incessantes. Colocou a mão dentro de seu casaco e segurou o seu revolver já engatilhado. Não poderia estar ali sem o seu melhor amigo por anos. Então, mais uma vez o silêncio fora quebrado por passos, curtos e rápidos, vindos de algum lugar por detrás de todo aquele lixo acumulado. O dia estava chegando ao fim, a luz do pôr do sol já estava se extinguindo, dificultando ainda mais a sua visão. Arrastou-se para um dos lados da enorme pilha e apontou o seu revólver, pronto para atirar sem nem ao menos hesitar. Seus olhos e reflexos eram bem treinados. Apesar de não estar nada bem em decorrência a suas lembranças, acabara de evitar a morte sem sentido de um garoto, que não aparentava ter mais de nove anos, faminto, procurando comida em uma das latas que fora colocada ali a pouco na porta dos fundos de um restaurante nojento. O garoto amedrontado, não teve outra reação senão sair correndo dali imediatamente antes que aquele revolver fosse realmente disparado. Guardou sua arma, sentindo-se aliviado por não ter atirado. Sentiu-se revigorado. Levantou-se, apoiando a palma de suas mãos nos próprios joelhos, tomou fôlego, sentindo o fedor invadir suas narinas mais uma vez e voltou a andar, seguindo até o final do beco, checando o endereço escrito no envelope, como se pudesse tê-lo esquecido.

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