domingo, 27 de abril de 2008

A Carta Perdida - Parte IV - Paulo Costa

O apartamento era exatamente o que ele esperava que fosse, o reflexo da parte exterior, completamente sujo e antigo. Tudo o que conseguia ver era um corredor estreito e escuro, com uma única porta à sua direita que com certeza o levaria até a cozinha. Checou a porta da suposta cozinha, que por sua vez estava trancada. Sentia-se como se estivesse correndo atrás do queijo, dentro de uma ratoeira, mas o medo era um sentimento que há muito havia aprendido como lidar e transformá-lo em força. Continuou mais confiante do que nunca de que encontraria alguma resposta sobre aquela carta.

Ao chegar à única sala, reparou rapidamente que não haviam muitos móveis. Apenas um sofá fedorento, uma pequena mesa de centro com algumas cartas de baralho amassadas, um cinzeiro que abrigava restos de cigarros de várias marcas, amassados, e uma espécie de poltrona giratória, enorme, virada em direção à enorme janela lateral, que não vira do lado de fora do prédio, sem cortinas, deixando entrar a pouca luz que vinha dos postes da rua.

Parou por um momento perto da mesa de centro, tentando procurar alguma informação, mas não havia nenhuma informação útil naquele lugar. Não acreditava que tivera que passar por tudo o que passara por absolutamente nada.

Deveria ele deixar a carta ali na mesa, e sair?

Talvez, mas nunca saberia se o destinatário era realmente a pessoa que encontrou a carta. Não poderia fazer aquilo, estava envolvido com o sentimento de cumprir esta tarefa.

Perdido em seus próprios pensamentos, não ouviu quando a velha e enorme poltrona, localizada perto da janela, começou a se mover, virando-se lentamente, até parar de frente para si.

- Eu sabia que viria... - disse um velho homem, com uma voz muito fraca e cansada.

Não conseguia ver o rosto deste homem, a luz que invadia a sala, transformava o encosto daquela poltrona um escudo de sombras. Mas sabia muito bem de quem era aquela voz... Não a ouvia há muito tempo.

Lembranças vieram em sua mente novamente. Podia ver claramente este mesmo homem sentado com ele no seu velho piano, batendo-lhe nos dedos com um pedaço de madeira quando errava e em seguida, acariciando-os, pedindo desculpas. Podia ver o homem lhe ensinando a andar em sua bicicleta pela primeira vez sem as rodas de apoio em uma rua cheia de árvores em ambos os lados, cheirando a orvalho fresco da manhã. Podia ver o mesmo homem envelhecendo em sua memória, levando-o até o "Beco da Perdição" e dando-lhe quantias exorbitantes de dinheiro para que pagasse algumas prostitutas, para que afirmasse a sua masculinidade na frente de seus amigos.

Tudo estava claro agora em sua mente. As peças começavam a se encaixar e com elas, a sua última lembrança daquela cidade pútrida. A única coisa que não conseguira lembrar, durante todos esses anos longe dali. A mais nojenta das lembranças que um ser humano poderia ter.


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