domingo, 4 de maio de 2008

Mudanças de Vida - Parte V - Renato Seabra

Já é de manhã. Outro dia de trabalho promete ser puxado para Kelly, mas não para Elias. Ele continua no sofá do mesmo jeito e com cinzas de cigarro nos dedos e a maioria no chão que deixou cair, sem ter tido forças para puxar o ultimo trago que há muito tempo já havia abandonado a vontade.

Ela se aproxima cautelosamente e observa que uma barata esta na orelha de Elias. Ao tentar matá-la, a barata corre para dentro da camiseta dele. Não tendo a mínima paciência, Kelly localiza onde está a barata, a segura pela camisa com uma das mãos e com a outra a torce como um pano molhado, a barata é amassada e libera um liquido amarelo, manchando a camiseta e grudando nas mãos dela. Ela solta a camiseta e gruda no corpo de Elias, fazendo com que ele movimente seus dedos e deixando o cigarro cair no chão. Kelly deita-o no sofá para que ele possa dormir de algum jeito. Elias não resiste ao seu doce toque. Uma lembrança de carinho passa em sua mente e parece aquecê-lo. Ele sabe que algo está acontecendo, mas sente seu corpo cair como há quilômetros de altura.

Kelly se encontra com outro cliente em sua casa chamado Otávio. Homem muito rico e poderoso na cidade. Ele diz a ela que fornecerá tudo que precisar para ela se livrar de Elias. Porém, Kelly diz para ele não se preocupar que estará muito ocupada a noite. Otávio vê Elias deitado no sofá. "Que criatura mais desprezível. Como pode agredir uma mulher?". Otávio se despede de Kelly, deixando um pouco de drogas e dinheiro pra pagamento.

Já é noite e Elias é acordado por Kelly.

Ele reflete um pouco sobre alguns sonhos estranhos que teve, mas não liga muito pra isso. Há muito tempo abandonou seus sonhos.

- Oh! Acorda ai. Levanta! - Fala Kelly.
- O que você quer? - Reclama Elias.
- Preciso ir até o mercado e não vou sozinha a esta hora.
- Que se dane. Eu não preciso de nada.
- Você sabe que é perigoso andar agora! Vamos lá! Você sempre foi!
- Mas é uma cretina mesmo. Por que não foi mais cedo?
- Eu trabalho, esqueceu? E você, que nem trabalha e só sabe dormir?
Elias se levanta irritado.
- Você que deveria ter ido faz tempo. - Ainda falando Kelly.
- Cale a boca. Vamos logo. Pegue o maldito dinheiro.
"Vou comprar uns cigarros pra mim" Elias pensa.
- Está aqui! E é do meu trabalho, está bem?

Elias tira da mão dela e guarda o dinheiro no bolso de sua calça e sai primeiro pela porta. Deixando Kelly fechando a casa e seguindo-o. Elias pensa em como tudo isso poderia ser diferente, mas sua visão de uma vida melhor é tão limitada que esse pensamento não durou nem três segundos. Elias se vê um pouco sentimental esta noite. Não sabe o que acontece. E como não sabe interpretar, considera isso apenas mais uma de suas muitas confusões.

Eles chegam até uma rua que tem um parque ao lado. De frente há um prédio grande e bem bonito. Há poucas janelas acesas. Elias até mesmo gostaria muito de morar lá se tivesse dinheiro. Kelly observa o parque. Dois sentimentos a invadem. O amor e o ódio. A sua decisão seria agora. Ela amou Elias há muito tempo e o odeia pelo que fez com a sua vida, ou seja, também há muito tempo. Ela deseja vingança. Como ela gostaria de ter filhos. Como ela gostaria de ter uma casa decente. Ela pensa em como gostaria de ter outras coisas, mas também, assim como Elias, já se esqueceu de tudo isso. Seus sonhos foram esquecidos no meio do caminho da vida. Ela deseja vingança. Só isso. "Só isso!" ela suspira. Elias olha para ela sentindo que foi chamado.

- Está olhando o prédio, é? - Pergunta Kelly, insinuando alguma coisa.
- Hum... Não posso olhar também?
- Não, não. Só estou vendo como você sonha a toa, seu imbecil!

Kelly fala isso e pára de andar.

- Do que está falando? - Pergunta Elias.
- Que você é um imbecil? É surdo também?
- Você fumou alguma coisa? Está louca?
- O que você vai fazer seu fracassado?

Kelly, ao pronunciar estas palavras com muito ódio, também as pronuncia com muitos risos e altos. Era óbvio de que se tratava de uma risada falsa, devido a não ter motivos para uma verdadeira há muito tempo. E Elias sabia disso. Sabe que era falsa, não só a risada, mas ela por completo.

- Pare de me humilhar!

Elias, pensando somente em como ele estava sendo humilhado, vai agressivamente pra cima de Kelly sem que ela possa se defender e estranhamente se joga no chão. Elias fica de pé, vendo-a se arrastar sozinha pelo chão como tem feito por toda a vida diante de muitos homens, menos diante dele próprio. Kelly não pára de rir. A pergunta de Elias sobre ela ter fumado alguma coisa parece ser positiva. Nunca a havia visto neste estado excêntrico.


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